Apenas mais um dia de quarentena
Ela abre os olhos, os aperta um pouco e estuda por um breve momento o cômodo sem realmente sair do lugar. A luz do sol entra por uma pequena fresta da janela que ela deixou aberta na noite anterior. Tem uma xícara na mesinha de cabeceira e uma pilha de livros.
Apenas um novo dia de quarentena.
Ela respira fundo e se mexe na cama esticando-se e sente as juntas estalando. Droga de idade!
Jogando seu corpo cansado para fora das cobertas quentinhas, ela se arrasta até o banheiro para escovar os dentes, lavar o rosto e, quem sabe, dar um jeito nos cabelos. Depois de um pouco de café e um pedaço de pão, a garota senta-se na frente do computador e começa a trabalhar.
A sua mente já está no automático. Os dias passam recheados de tarefas a fazer, tarefas em andamento e tarefas concluídas. São textos e textos produzidos que, se a perguntassem qual foi o primeiro da semana, com certeza, ela não lembraria.
Mas, afinal, quem tá checando? É apenas mais um dia de quarentena.
No fim do expediente, uma rápida olhada nas redes sociais já é suficiente para despertar aqueles sentimentos que ela tentou enterrar ao decorrer de todo o dia.
Mais um recorde de mortes.
Mais um recorde de novos casos.
Mais um jovem negro morto com uma bala perdida que, infelizmente, sempre encontra corpos que possuem mais melanina.
Mais um escândalo do governo, ora ora, quem diria, não é mesmo?
Mais um assassinato.
Mais um atentado.
Mais uma criança teve sua infância violada.
Mais uma mulher foi brutalmente machucada.
Mais um idoso foi encontrado sofrendo maus tratos.
Bom, é apenas mais um dia de quarentena.
Diferente de alguns dias mais produtivos, com horários para o trabalho, estudos, hobbies e exercícios físicos, hoje ela apenas vai tomar um banho quente, deitar na cama com um cházinho e assistir sua série ou se refugiar nas páginas de um bom romance água com açúcar.
Afinal, é só mais um dia de quarentena.